O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) derrubou, por 12 votos a 1, uma portaria administrativa do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) que transferia a um único homem, José Valter Dias, a propriedade de 366 mil hectares de terra – área equivalente a cinco vezes a cidade de Salvador. Segundo o conselho, a portaria teve consequências “nefastas” na região.

O CNJ também remeteu o caso ao Ministério Público Federal para investigação, por identificar “indícios de ilícitos” na evolução patrimonial de José Dias, que tornou-se dono de uma holding com capital social de R$580 milhões.

A decisão atendeu pedido de providências apresentado por agricultores para questionar a Portaria 105, editada em 2015 pelo TJBA. O julgamento foi concluído na tarde desta sexta-feira, 1 de março.

As terras em discussão ficam no município de Formosa do Rio Preto, no Oeste da Bahia, na divisa com o Tocantins. Agricultores chegaram ao local na década de 1980 com apoio do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer II), uma parceria entre os governos do Brasil e do Japão, que se destinava a criar novas fronteiras agrícolas no cerrado brasileiro.

Em 2015, cerca de 300 agricultores foram surpreendidos com a edição da Portaria 105, que cancelou os registros de suas terras. Ao mesmo tempo, a portaria transformou José Dias em proprietário de toda a região, o que ensejou diversas disputas judiciais em torno da posse da área.

Ao trazer o voto vencedor sobre o caso, a conselheira do CNJ Maria Tereza Uille Gomes apontou que o tribunal provocou efeitos “nefastos” ao cancelar, administrativamente, os registros de imóveis dos agricultores. De acordo com ela, um ato administrativo não pode ser usado para cancelar registros de imóveis vigentes há mais de 30 anos.

Primeiro, não foi respeitado o direito dos agricultores ao contraditório (ou seja, de se manifestarem sobre o assunto) e ao devido processo legal.

Além disso foi ignorado o direito de usucapião, pelo qual pessoas que ocupam um terreno por muitos anos, agindo de boa-fé, podem requerer o direito de se tornarem proprietárias. A conselheira apontou também a existência de diversas ações judiciais em torno da área, que tornam imprópria a atuação pela via administrativa.

José Valter Dias alega ter comprado os direitos sucessórios de terras na região, dos herdeiros de um antigo fazendeiro. A alegação tem como base um inventário de 1915.

Maria Tereza frisou em seu voto que o registro atribuído a José Dias cresceu sem maiores explicações ao longo do tempo. O registo compreendia inicialmente uma área de aproximadamente 43 mil hectares, sendo que metade teria sido direcionada a outro proprietário por meio de um acordo. Portanto, sobrariam a José Dias em torno de 21 mil hectares. Apesar disso, de uma hora para a outra, o registro em nome dele passou a abranger 366 mil hectares.

“A propriedade de área inicial de 43 mil hectares passou a contar com 366,8 mil hectares, sem determinação judicial nesse sentido ou outra circunstância apta a justificar tamanha modificação, donde se conclui facilmente que o ato ora impugnado está inquinado de vício e acirra a disputa de terras na região e as relações jurídicas daí decorrentes”, escreveu a conselheira.

Ela também apontou que, em decorrência da portaria, José Dias teve “acentuada evolução patrimonial”, tornando-se sócio da holding JJF, com capital social de 580 milhões. Maria Tereza identificou possível sonegação de impostos federais, estaduais e municipais.

O voto foi acompanhado por onze conselheiros, entre eles o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Dias Toffoli.

Comentário desabilitado.