Foto//Johnny Miller/MilleFoto via BBC/G1

Em 1936 Sérgio Buarque de Holanda, historiador, literário, jornalista e professor publicou o seu primeiro livro “Raízes do Brasil”. Um clássico no qual o autor investiga as origens da formação do povo brasileiro e cujo quinto capítulo, intitulado “O homem cordial”, é o tópico mais discutido e talvez o mais incompreendido da obra.

Ao longo dos anos o termo homem cordial vem sendo utilizado para caracterizar o povo brasileiro como uma sociedade cortês, firmando no imaginário popular que o brasileiro é educado e gentil de nascimento. Se assim fosse, poderíamos considerar a educação familiar e formal dispensáveis? Logicamente não!

Mas não podemos deixar de constatar que desde 1936 tanto a educação filial, quanto a educação formal brasileira tem falhado e falhado muito. Basta olhar quantas nações ultrapassaram econômica e socialmente o Brasil nestes 85 anos.

Esta tese é facilmente comprovada ao observarmos o comportamento da sociedade brasileira nos últimos oito anos em direção à ruptura do frágil tecido social, sobre o qual ousamos deitar as fundações de nosso país.

Ao ressaltarmos apenas o aspecto da violência alguns fatos podem ser destacados. Entre eles o caso de Santiago Ilídio Andrade, cinegrafista morto por um rojão deliberadamente lançado em sua direção e a operação policial ocorrida ontem na favela do Jacarezinho, ambos no Rio de Janeiro.

Para onde caminhamos?

Em polêmica com o escritor Cassiano Ricardo, Sérgio Buarque esclareceu que ao usar o termo cordial não se remeteu ao significado cortês de cordialidade, mas sim ao sentido etimológico da palavra: “cordis”, em latim, coração. Ou seja, o brasileiro ao contrário de outros povos, age com base nas emoções, movido pelas paixões ao invés de utilizar a razão. Talvez isto explique muito os nossos últimos anos.

Naquela ocasião, em 1948, Buarque deixou registrado: “Cabe-me dizer-lhe ainda que também não creio muito na tal bondade fundamental dos brasileiros”…

Nossa sociedade prefere criar laços de amizade antes de fazer negócio no âmbito privado. Reage com hostilidade aos limites que o Estado lhe inflige e ao mesmo tempo constrói vínculos para manter as relações com o governo que beneficiam aqueles que possuem os contatos certos diante da autoridade pública. Enraizada que é no Brasil colonial, rural e aristocrático ainda costuma se expressar de forma afável, podendo ser ao mesmo tempo atroz e vingativa.

Basta observar nas redes sociais as opiniões emitidas pelos brasileiros das mais variadas origens e extratos sociais para verificar que o autor do livro está coberto de razão. Dentre tantas publicações destaco uma:

“A polícia carioca está de parabéns. Tinha que fazer uma limpa dessa por semana”.

Sem fazer juízo sobre o caráter e a vida dos que foram mortos não podemos presumir que vivamos separados como na foto que ilustra esta coluna, estando de um lado os homens de bem e de outro os que só praticam o mal.

A hipótese simplista e rasa de quem mora nas periferias brasileiras é bandido e quem vive nos condomínios não é pode ser facilmente desmentida quando observarmos, mesmo que de longe, o que ocorre em bairros nobres como a Barra da Tijuca, ou outro qualquer neste país continental.

Existe uma caminhada secular a ser vencida em poucas décadas. Ou vencemos as barreiras de desenvolvimento impostas pela ignorância, pelo analfabetismo estrutural e pela segregação social ou retroagiremos ao subdesenvolvimento de um Brasil colônia que há muito deveríamos ter integralmente abandonado.

Até a próxima!

“Quando, seu moço, nasceu meu rebento

Não era o momento dele rebentar

Já foi nascendo com cara de fome

E eu não tinha nem nome pra lhe dar

Como fui levando, não sei lhe explicar

Fui assim levando ele a me levar

E na sua meninice ele um dia me disse

Que chegava lá”

Meu Guri – Chico Buarque de Holanda

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